Desde meados deste ano, as atenções do mundo estão voltadas para o velho continente. A sequência de más notícias vindas da zona do Euro monopolizam as preocupações de governos, dos mercados e da imprensa.
Como a “crise” oferece oportunidades de criação e adaptação, ela também promove o entendimento de nossas falhas passadas. O olhar atento e a vontade vigorosa de aprender sedimentam as bases para a não repetição dos erros.
Lendo um artigo de Garrett Hardin sobre a Tragédia dos Comuns, escrito em 1968 para a revista Science, deparei-me com uma citação tocante, do filósofo Whitehead, que, traduzindo-o livremente, nos diz: “A essência da tragédia dramática não é a infelicidade. Ela reside na solenidade do impiedoso funcionamento das coisas. A inevitabilidade do destino apenas pode ser ilustrada nos termos da vida humana por meio dos incidentes que, de fato, envolvem a infelicidade. É somente por meio deles que a futilidade da fuga pode se mostrar evidente no drama”. (WHITEHEAD, A. N., Science and the Modern World. Mentor, New York, 1948, p. 17.).
A figura abaixo mostra este “funcionamento impiedoso das coisas”. Trata-se da evolução das taxas de juros dos títulos das dívidas dos países dos PIIGS (Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha), cujo funcionamento já vimos em outro post. A Grécia deixa claro que é a autora incondicional da modalidade trágica de expressão da vida.
Nestes últimos meses, as agências de notícias vem desenvolvendo calculadoras e infográficos que auxiliam o entendimento destes eventos e como eles nos afetam. O post de hoje cumpre apenas o objetivo de transmitir dois sites da Reuters que tratam do tema. Um deles está na imagem acima e pode ser acessado pelo seguinte link. Nele, há uma lista enorme de informações sobre os países em crise, dispostas no lado esquerdo do site, para as quais há um correspondente gráfico ilustrando a “inevitabilidade do destino” do Euro.
Um segundo site interessante mostra como as ações dos bancos vem agonizando ao longo da insegurança política que caracteriza os líderes da Zona do Euro (voltaremos a este ponto em outro post). O site indica a resposta quase imediata das ações dos bancos às reuniões dos líderes da Zona do Euro, ilustrando a desconfiança dos investidores quanto à capacidade de superação da crise, como mostra a figura a seguir.
Parece-me que os países estão percebendo a profundidade da crise europeia. As reações coordenadas dos bancos centrais, noticiadas ontem, no sentido de reduzir as taxas de juros foram a confirmação de que, finalmente, os governos estão se sensibilizando quanto à gravidade da situação europeia.
Esperemos que estes “incidentes” infelizes exponham a “futilidade da fuga”. É preciso o enfrentamento coordenado do problema. A tragédia dos comuns de que falou Hardin expressa exatamente o resultado intuitivo – porém frequentemente negado – de que muitas pessoas, agindo em interesse próprio, colocam as coisas em trágica rota de eventos.
André,
Até quando as aparentes estabilidade, segurança e firmeza da economia alemã serão, indo ao extremo, condição suficiente para a manutenção do Euro?
Ainda mantendo-se, mas desviando-se um pouco do assunto, será que estamos vivenciando o primeiro episódio mais concreto do rompimento desta União Econômica que foi durante uma década um exemplo de como os blocos econômicos deveriam interagir? A unificação da moeda…
Não consigo deixar de imaginar se o Euro efetivamente existe ou se trata-se apenas de um Marco Alemão transvestido e “piorado”.
Diante destes três ponto, complementando com a sabia frase de Whitehead e ainda olhando como a “infelicidade” foi menos intensa em outros estados com relações que se diferem da União Européia em muitos aspectos, acredito que estamos sendo espectadores do início do fim de uma ideologia, de um ideal Sócio-Político-Jurídico-Econômico que durou pouco menos de uma década após a implantação de seu principal instrumento, a moeda.
Olá, Tiago.
No que respeita à Alemanha, imagino que sua economia persista como o pilar central do Euro. Mesmo a França já dá demonstrações de “cansaço econômico” dado o seu amplo aparato governamental da seguridade social do país. Todavia, não acredito numa ruptura intempestiva da zona do Euro. Se ocorrer, será em médio prazo, de forma organizada. Mesmo assim, dada a incerteza, prefiro seguir a linha de raciocínio que coloca a Zona do Euro como uma meta coletiva dos países que dela participam, não sendo de interesse de quaisquer deles a sua dissolução.
Ao contrário, as iniciativas recentes apontam para uma flexibilização de todos os lados: do BCE em prover liquidez aos governos e aos bancos da região, e dos países em crise, nas intenções e medidas para conter a crise fiscal dos Estados europeus.
Portanto, não acredito que o euro seja um marco piorado. Apenas que os rigores alemães agem positivamente sobre os comportamentos pouco austeros de diversos governos. Como são as boas cercas que fazem bons vizinhos, o problema se encontra na fragilidade institucional que governa a união dos Estados, permitindo distorções e desigualdades severas dentro do grupo sem os devidos aparatos institucionais de “enforcement” das cláusulas do Acordo de Lisboa.
Ninguém discute que a Zona do Euro foi atabalhoada em sua implementação e que padece de sérias lacunas institucionais e econômicas. O problema agora é consertar o avião enquanto ele voa, sob pena de uma catástrofe, não apenas dos tripulantes, mas de todos sobre os quais poderá forçosamente aterrissar o avião.
Abraços,