Entre as discussões relevantes do tempo presente, encontra-se o debate sobre a necessária elevação da produtividade na economia brasileira. A marcha reformista ainda em curso, de viés neoliberal, propõe sua versão da economia do lado da oferta. Essa perspectiva ideológica, de acordo com Joseph Stiglitz e outros importantes economistas, foi responsável pelo crescimento das desigualdades nos EUA desde a década de 1980. Há algo a ser aprendido com a essa experiência recente?

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Paul Krugman, no livro “Vendendo prosperidade”, originalmente publicado em 1994, afirmou que a “década de 1980 foi muito boa para os muito bem de vida” nos EUA. Entre meados da década de 1970 até 1990, a relação entre os salários de um diretor executivo e o dos trabalhadores comuns triplicou, algo que os observadores de então classificaram como uma explosão de riqueza no topo. Ainda segundo Krugman, “a taxa de poupança privada nos Estados Unidos despencou durante a década de 1980, de 9,1% de renda disponível em 1980 para 5,1% em 1987”. O governo conservador de Reagan elevou maciçamente o déficit público e houve queda nos investimentos privados. A diminuição dos investimentos em infraestrutura era vista como a principal causa da desaceleração da produtividade norte-americana.

Em síntese, a Reaganomia, ponderou Krugman, “significou cortes de impostos para os ricos, aumentos de impostos para a classe média e castigo para os pobres”. Os resultados do governo de Margaret Thatcher, no Reino Unido, foram também decepcionantes em termos de empregos e produtividade duradoura. Guardadas as devidas proporções e distâncias históricas e geográficas, desde 2016 as reformas apontam nesse sentido no Brasil. A emenda constitucional do teto dos gastos primários, a Emenda Constitucional 95/2016, por exemplo, prevê que, durante 20 anos, as despesas primárias do orçamento público ficarão limitadas à variação inflacionária. Essa emenda reduz os gastos sociais em porcentagem por pessoa e em relação ao PIB.

A festejada recuperação econômica brasileira, o voo de galinha a partir de 2017, merece uma reflexão crítica. Segundo José Paulo Kupfer, “o aumento da informalidade contribuiu com mais da metade da queda da produtividade desde 2014. Embora tenha registrado um esboço de recuperação em 2017, a taxa de produtividade perdeu força em 2018 e voltou a recuar em 2019”. Do ponto de vista do processo de emparelhamento econômico (catching up), em 1980, a renda per capita brasileira correspondia a 40% da renda per capita americana, e, em 2018, recuou para 25%. Para o mesmo período, a renda per capita chinesa, em relação à norte-americana, passou de 2,5% para perto de 30%, enquanto a dos coreanos se deslocou de 17,5% para 66%. Portanto, quem conseguiu avançar na produtividade, sofisticou a sua estrutura produtiva, ou seja, se tornou mais complexo economicamente.

Conforme ponderou Grazielle David, “é nítida e urgente a necessidade de rever as regras fiscais. Para isso, é essencial que sejam consideradas duas premissas: 1. A política fiscal é uma política pública como todas as outras, assim, a participação social deve ser garantida tanto na sua elaboração quanto no seu monitoramento; 2. A política fiscal está sujeita às normas do Pacto Internacional dos Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais”. O darwinismo social voltou a ser ideologia hegemônica no campo da formulação de políticas públicas no Brasil, como na Primeira República (1889-1930), oligárquica e antissocial, quando os problemas sociais eram tratados insensivelmente como casos de polícia.

Há novos riscos no horizonte de desmonte das políticas de Estado no que diz respeito ao avanço de organizações criminosas nas unidades federativas, como a expansão das atividades milicianas. As desigualdades sociais são estruturalmente extremas no Brasil, de acordo com as estatísticas do IBGE, e ao seguirmos o tom das reformas propostas desde 2016, na melhor das hipóteses, elas permanecerão extremas e prejudicarão a produtividade da economia brasileira.