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O Plano Real assume em julho de 2012 a sua maioridade legal, completando 18 anos de existência. A mística em torno da transição da adolescência para a idade adulta envolve conflitos, desafios e incertezas. É esta a circunstância que vive o Brasil pós-Real. Por isso, cumpre fazer uma rápida avaliação do nosso modelo de desenvolvimento e sua dinâmica interna.

Tom Jobim já nos advertiu quanto à complexidade brasileira, dizendo que “o Brasil não é para amadores”. Assim, alguns precedentes históricos ajudam a compreender o ciclo decisório da política econômica nacional. Por isso, peço a paciência do leitor com a extensão deste texto. Se tiver estômago fraco, leia em parcelas.

A infância do Plano Real e as primeiras lições

De julho de 1994, quando passa a circular o Real, até 1999, foram quase cinco anos de importações a preços módicos. Uma inundação de produtos estrangeiros de elevada qualidade veio a entorpecer os brasileiros, cuja demanda por diversidade fora constrangida pelo longo período de elevada inflação e pelo desabrido protecionismo vigente até o governo Collor (1990-1992).

O motivo era a âncora que segurava o plano de estabilização: todo o delicado equilíbrio que permitiu a estabilização dependia da taxa de câmbio, a qual permanecia em patamares baixos (oscilando entre R$ 0,83/US$ e R$ 0,98/US$, a chamada banda cambial, a qual foi sendo progressivamente desvalorizada até 1999). Isso implicava produtos importados a preço baixo e, portanto, forte demanda por estes produtos, o que levaria, ao longo do tempo, a resultados comerciais negativos. Ou seja, saíam mais dólares pelas importações do que entravam pelas exportações (gráfico a seguir).

Reservas Internacionais - 1994-2000

Evolução das Reservas Internacionais - Fonte: Banco Central do Brasil

O endividamento externo mostrou a variável de ajuste de todo o ilusório bem-estar. O momento do ajuste chegaria; só não se sabia quando. Em janeiro de 1999, sob fortes pressões internacionais, nossas reservas cambiais foram drenadas, na esteira da desvalorização cambial operada contra o então governo Fernando Henrique Cardoso.

Como se vê, a máxima de que não há almoço grátis se mostra com vigor. O espetáculo do consumo tinha um preço. Na verdade, vários preços. Nível de emprego baixo, produção industrial vacilante, endividamento externo crescente, precarização das relações de trabalho (a ocupação que mais cresceu entre 1994 e 2003 foi a de empregada doméstica e faxineira).

A desconfiança com relação ao Brasil grassava no meio internacional, com grandes bancos vendo seus índices de inadimplência aumentando, bem como vários bancos nacionais em situação calamitosa, por haverem apostado contra a desvalorização do câmbio.

Uma nova âncora que orientasse a economia se fazia necessária. Mais importante que a própria âncora era quem seria seu agente executivo. Haveria de ser um nome que esbanjasse rigor acadêmico, sensibilidade operacional e respeito dos diferentes órgãos multilaterais e instituições financeiras internacionais, uma vez que um acordo com o FMI havia sido celebrado ao final de 1998.

A adolescência e as dores do crescimento: barreiras à autorealização

Praticamente arrancado de seu posto de diretor do famoso fundo de investimentos de George Soros, Armínio Fraga é alçado a presidente do Banco Central do Brasil, com a tarefa de gerir a transição da política econômica para um novo ponto de apoio. Renomado no exterior e visto com reservas internamente (foi chamado de “gênio do mal” por um senador, durante sua sabatina de aprovação no Senado Federal), Armínio Fraga lançou mão de um expediente que se havia repetido com frequência na gestão econômica no Brasil: convencer os estrangeiros de nossa seriedade.

Armínio Fraga - Presidente do Banco Central - 1999-2002

Apoiando-se em experiências internacionais de países como Nova Zelândia e Reino Unido, premido pelas circunstâncias, propõe a adoção do regime de metas de inflação como âncora para a manutenção da estabilidade de preços. O regime funciona assim: a inflação passa a ser o barômetro da atividade econômica. Sempre que o índice de peços subir, deduz-se que a demanda está incompatível com a oferta. Eleva-se a taxa de juros, a qual terá por efeito estimular a poupança das famílias e das empresas, uma vez que o endividamento se tornará mais custoso. Por outro lado, quando a inflação desacelerar, o governo pode reduzir a taxa de juros, de maneira a fomentar o consumo e o investimento.

O regime tem obtido êxito em controlar a inflação (gráfico abaixo), muito embora pouco possa fazer quando a pressão altista venha de fora. Mesmo assim, devemos nos perguntar: quais os custos deste regime de controle da inflação? Taxa de juros elevada, crescimento econômico em marcha lenta.

Fonte: IBGE

A experiência tem mostrado que o regime de metas mantém a inflação nos eixos às custas do desenvolvimento econômico. Autores como Delfim Netto, Luiz Carlos Bresser-Pereira, Yoshiaki Nakano, José Luís Oreiro e João Sicsú, dentre outros, têm sido porta-vozes de uma visão crítica deste modelo. Não porque ele seja falho, mas porque ele é reducionista em sua visão de Brasil.

Ao se olhar apenas para a inflação, deixa-se de contemplar o crescimento econômico como meta central do país e impõe-se uma camisa de força sobre as potencialidades socioeconômicas. Com medo das consequências do desenvolvimento, opta-se pelo conservadorismo, pelo medo da inflação que ainda povoa as mentes da geração que ocupa atualmente o poder.

Neste sentido, o regime de metas de inflação não faz mais do que direcionar para o BNDES (gráfico a seguir) grande parte da demanda por crédito para investimentos a taxas de juros subsidiadas (os repasses já passam dos R$ 200 bilhões), cuja fonte de recursos é tanto o Fundo de Amparo do Trabalhador (FAT) quanto o Orçamento Federal, via Tesouro Nacional.

Repasses ao BNDES - 2000-2011. Fonte: Banco Central do Brasil

Ademais, o sistema bancário se refestela, lucrando com as elevadas tarifas que cobra de seus clientes e do elevado ganho com as operações de crédito, fundamentalmente, ao consumo das famílias (gráfico abaixo).

Fonte: Banco Central do Brasil

Neste sentido, duas perguntas se fazem necessárias: (1) não seria hora de acoplar o sistema de metas de inflação a um projeto maior de desenvolvimento econômico, em vez de adotar a parcimônia como critério de avaliação de nossas virtudes? (2) seriam as forças políticas nacionais incapazes de se esmerar em um horizonte de planejamento mais longo do que o ciclo eleitoral?

É nítido que a resposta da primeira condiciona-se à reposta da segunda pergunta. Até aqui, o que se notou é que as forças políticas atuam apenas quando pressionadas pelas circunstâncias, como se a crise fosse o único motor central da ação, da mobilidade. Haverá quem diga que as coisas são sempre assim, e a crise europeia e o impasse norte-americano apenas ratificarão o cinismo.

Como disse o velho Delfim Netto, em coluna do Valor Econômico, o Brasil de 2012 será “aquilo que nós fizermos dele”. O desenvolvimento econômico ganha este nome, justamente, por “des-envolver” as forças produtivas, culturais, sociais e psíquicas que vicejam no bojo do grupo social.

Avançar neste processo implica abandonar inocências juvenis e simplicidades provincianas. É um salto sobre um abismo enevoado; eis o sentido estrito da modernidade, já consagrado na trajetória do Fausto de Goethe. O receio apenas reprimirá tais forças, e as constrangirá a se expressar de formas menos frutíferas. A decisão precisa ser tomada.