Fazia poucos dias desde o final da apuração do primeiro turno das eleições presidenciais. Estava no elevador quando um menino – de uns 9 anos – entra com o pai e comenta com este o principal assunto discutido na escola: “você viu que o Aécio está na frente?”. Daí, pensei comigo, esperançoso: “será que esse nova safra de brasileiros está mais politizada a esse ponto? Será finalmente a redenção de nossa vocação democrática?” Treinado na magia negra da economia, fui logo tomado pelo realismo contundente. Explico-me.
Quando crianças de 9 anos começam a falar de política (o garoto comentou que dois coleguinhas brigaram por discordar sobre “quem era melhor para o Brasil”), cabe a pergunta: trata-se de amadurecimento político prematuro ou – quem sabe? – uma infantilização da política? Minha impressão é a de que a política virou um “game”. Em tempos de dominância cognitiva de Grand Theft Auto, tomamos nossos interlocutores de assalto e, na verborragia incessante, tentamos vencer pelo cansaço, pelo volume sonoro, ou pela virilidade de nossas armas retóricas.
Receio que, no terreno da construção e da transformação sociais, convicções sectárias apoiadas em “fundamentos [supostamente] técnico-científicos” promovam a barbárie por que eliminam o espaço do contraditório. A “certeza” não escuta, apenas diminui, abafa e oprime o que lhe questiona. Ao fazê-los, sepulta o progresso e torna-se conservação.
Como antídoto à virulência desenfreada desse pleito, sugiro uma avaliação mais ponderada e mais nuançada a respeito da opção à nossa frente.
A peculiaridade desse pleito presidencial de 2014
Eleições como estas são fenômenos pedagógicos. Um mosaico variado de motivos informa os votos dos eleitores. Apesar da inveterada tendência a tornar tudo um jogo de “bem contra o mal”, “de bastiões da honestidade contra defensores da corrupção”, esse pleito elenca alianças e apoios em complexos arranjos. O maniqueísmo fica desorientado e se intensifica.
A infantilização da política se enreda no espetáculo midiático do entendimento fragmentário que inflama e acirra oposições. Ela culmina na manifestação clara de que ainda não aprendemos a tomar parte dos negócios públicos da nação. Não há figura salvadora que se torne nossa “mui procuradora”. Nem Dilma, nem Aécio são a solução para nenhum dos nossos problemas.
Há forças mais poderosas e mais longevas que eles atuando para o engessamento da ação do Estado. Há escândalos dos dois lados da disputa, desvios de conduta, tanto de ordem moral quanto associadas a competências administrativas. Por esse motivo, a conflagração política nas redes sociais não tem fim. Não há razão boa suficiente. É preciso tomar posição e arcar com as consequências desta última!
Todos querem um Brasil melhor, não há dúvida. Mas não será transformando a participação política em uma variante dos “jogos vorazes” que teremos essa construção.
O problema para os “censores implacáveis do politicamente correto e maduro” é que tais motivações não se sujeitam sempre ao escrutínio alheio. Elas têm a ver com o que ainda não existe, mas que se “esperança” construir para se ter (como diria Paulo Freire, com sua flexão do verbo “esperançar”).
A seguir, exponho a direção do meu esperançar!
Minha opção nesse pleito
Esse João nunca se expôs ao perigo
Nunca teve um inimigo
Nunca teve opinião
João Ninguém – Noel Rosa
Cresci em um ambiente familiar em que um trabalhismo tímido convivia com conservadores preceitos social democratas. Mais tarde, fui “vitimado” pela verbo forte de Furtado, Keynes e Marx e tantos outros que me ensinaram que a economia pode ser uma ferramenta para a promoção do bem-estar social ou um instrumento de alimentação cumulativa de desigualdades.
Meus parcos conhecimentos sobre a história das ideias econômicas me mostram que, quando a distância entre pobres e ricos diminuir persistentemente, um conjunto de forças políticas se arregimenta em torno da ideia de ‘finanças saudáveis’ (do inglês, sound finance) e combate à inflação como argumentos para “garantir” a continuação e sustentação da “mudança social”.
Há vezes em que isso é verdadeiro e algo deve ser feito. Keynes defendeu ajustes fiscais na Inglaterra de 1939 em seu “How to pay for the war”. Furtado implementou o Plano Trienal, em 1963, reconhecendo a necessidade de reequilibrar as contas públicas. Esses são dois exemplos ilustrativos de que quem deseja a continuação da transformação social não faz vista grossa à boa gestão da coisa pública. Não se trata de prodigalidade a qualquer custo. É uma questão de momento.
Basta ver no gráfico abaixo que esse processo já tem quase 10 anos. Será esse o momento de fazer tal ajuste de rota?
Não sou leviano a ponto de dizer que não há problemas no atual governo. Há inúmeras deficiências que devem ser supridas. Há um certo desarranjo gerencial e os variados escândalos de corrupção e a tibieza da política fiscal e das tarifas públicas ofuscam sistematicamente qualquer avanço conseguido em outras áreas (vide textos disponíveis ao final deste artigo). Adicionando a isso, o primeiro mandato Dilma foi uma lástima em termos de comunicação social.
Concordo com muitas das críticas dos meus amigos e colegas anti-petistas. Ainda assim, tomo-as como detalhes importantes, porém secundários. Gosto do rumo que as coisas estão tomando. O Brasil está diferente, para melhor. Veja gráfico abaixo.
Por isso, apesar de simpatizar muito com Aécio (lembre-se, cresci num lar tacitamente social-democrata), não vejo nele o alinhamento ideológico nem as condições programáticas para concluir a transição social que se iniciou com Fernando Henrique Cardoso, com a estabilização da inflação, e que ganhou impulso com Lula e Dilma.
Aécio é definitivamente um político mais experimentado e mais talentoso que Dilma, mas não me convenceu estar preparado para assumir o poder executivo nesse pleito, com os desafios que nos impõe esse momento histórico que vive o país. Seu programa é vago e repleto de lugares-comuns. Há muitas boas ideias em seu programa, obviamente. No entanto, sua ênfase desmedida na necessidade de ajustes e na determinação em trazer a inflação para o centro da meta apenas por meio da reversão das expectativas me gera incerteza quanto às suas prioridades.
Acompanho o mandato do Senador Aécio Neves desde o seu início e, confesso, frustrei-me com a escassez de soluções mais criativas no programa do PSDB para dar continuidade à mudança social. Não encontrei essa inclinação claramente definida. Vi apenas “bom-mocismo tecnocrático-gerencial”. Isso me sugere que os 10% do PIB representados pelo Mercado Financeiro terão prioridade mediante o restante da sociedade, mais uma vez. Esse setor é importante, mas parece sobre-representado no programa de Aécio Neves, ainda que subliminarmente.
Nesse sentido, vejo uma semeadura de “perdição e catastrofismo” para a colheita de soluções heróicas. Não consigo enxergar as mesmas coisas que sua equipe econômica. Acreditem, tentei e muito. (Não descarto a possibilidade de ser miopia minha). Porém, alardear sobre o tamanho monstruoso do “abismo da desordem” que se aproxima cobra o seu preço. É preciso ter uma solução à altura. Não a há!
Penso diferente. Não acredito ser hora de subjugar a transição socio-econômica a uma “desconfiança” – a meu ver, infundada – sobre o rumo da questão fiscal e a um temor inflacionário com justificativas, no mínimo, duvidosas. É possível equacionar tais questões adequadamente, sem contabilidade criativa e sem repressão de preços, para mudarmos a estrutura social permanentemente. Este é o problema que deveria nos ocupar.
Agrada-me a ideia de renovação e oxigenação do poder, mas ela deve ser progressista, deve avançar sobre o que já se fez. Não percebi esta ousadia no programa pesedebista. Por isso, opto por estar mais ou menos certo do rumo que desejo para a nação – e, com isso, ter um chão em que pisar – do que descobrir, após o pleito, que escolhi precisamente o destino errado.
Dilma tem um rumo claro, representado pelas iniciativas do seu governo. Apesar de não ter a graça e o carisma do seu oponente, não teme enfrentar interesses engessados no seio do Estado (muito embora corra diuturnamente o risco de reforçar os novos interesses, cristalizados nesses 12 anos de governo do PT, um partido difícil e com fortes propensões fisiológicas – ainda mais na companhia íntima do PMDB).
Por isso, a vigilância deverá ser redobrada e mudanças gerenciais deverão ser executadas prontamente. Com a expressiva votação que obterá, acredito que o Senador Aécio Neves será muito útil à nação como um implacável fiscalizador do Governo Federal, caso não vença no domingo, dia 26 de outubro.
Esta é minha visão. Não pretendo convencer ninguém de que minhas razões são corretas e nem reputo ignorante e falacioso quem delas discorda. O posicionamento é importante, para se gerar o debate e poder-se aprender mais. É possível viver pacificamente com a diferença política, mesmo quando a agressividade nos impele à divisão. (e também por que meus alunos não param de me perguntar” rs)
Por fim, independentemente de quem vença, o próximo mandato não será fácil. A calma e a serenidade deverão guiar cada palavra, cada ação. Que o lado “vitorioso” nas eleições tenha a decência de não tripudiar sobre aqueles que se sentirão derrotados. Antes de selecionarmos a ironia acusatória e depreciativa, busquemos o movimento conciliatório por meio do debate. E que acionemos nossos legisladores para monitorar seja qual lado for eleito.
O processo democrático começa, efetivamente, na segunda-feira, dia 27 de outubro!
Bom voto a tod@s!
Leituras adicionais:
– Os dados que fundamentam minha visão estão resumidos aqui.
– Uma comparação entre Aécio e Dilma foi feita pelo Prof. Ramón García-Fernández aqui.
– Uma defesa do voto em Aécio pode ser encontrada aqui.
– Um excelente texto de Roberto Mangabeira Unger, posicionando-se a favor de Dilma a partir de uma análise dos dois projetos concorrentes.
Cesar M. Guimarães disse:
Meus conhecimentos de economia são parcos, não por culpa de meus professores: o Departamento de Economia da EAESP-FGV nos anos 70 estava lotado de feras, mas meus interesses acabaram migrando para outros campos, também por influência de feras que militavam em outros departamentos. Claro que meu interesse pela economia, como ciência, não é nulo – e o fato de frequentar as ciberpáginas do André dá mostras disso -, mas minha fragilidade teórica sempre me pareceu motivo suficiente para ler sem comentar. Porém, pelo fato de me sentir um aluno por aqui, me dou o direito de fazer uma pergunta. Estimulo meus alunos a fazerem perguntas, mesmo sob o risco de que seja uma pergunta que possa parecer tola, até porque acredito que tolas são as certezas, não as dúvidas.
Minha dúvida é básica, sincera e refere-se a um termo da economia que habita frequentemente calorosas divergências pelo mundo (e aqui não é diferente): O que é (ou quem é) o Mercado (grafado assim, com eme maiúsculo como o fez André em seu texto)? Sempre que ouço esse termo me vem à cabeça um ser mítico, um Leviatã sem rosto que paira ameaçador sobre nossas vidas humanas, o que contradiz com o que já li nos livros.
Se formos para o campo da História, onde me movimento um pouco melhor, percebemos que o mercado (pelo menos o com eme minúsculo) é um mecanismo institucional – uma criação social – que antecede o capitalismo em pelo menos dois milênios. Se não me engano, os primeiros registros de comércio internacional referem-se à Mesopotâmia (séc. V a .C.), passam pelos fenícios – muito mais conhecidos como intermediários do que produtores – e seguem adiante: as parcerias comerciais dos gregos com os lídios, iberos e gauleses e suas trocas com persas, egípcios e até chineses, sem falar do comércio marítimo do Império Romano com povos árabes, hindus e chineses. Mas será que quando escutamos a palavra Mercado hoje é a isso que se referem?
Talvez a pista esteja nos livros que, até onde sei, adotam a mesma definição de mercado que adotavam quando cursei minha primeira disciplina de economia. Não vou chateá-los com definições, mas, basicamente, o que caracteriza um mercado, se bem me lembro, é uma grande quantidade de ofertantes e demandantes de mercadorias. Em contrapartida, nas condições onde há concentração surgem os oligopólios e os monopólios. Se essa definição continua valendo, não é difícil concluir que não vivemos numa economia de mercado. Uma simples olhada na distribuição dos ativos mundiais evidencia que vivemos sob um capitalismo financeiro oligopolista, muito longe do que poderia ser considerada uma economia de mercado. Ainda se bem me lembro, em uma economia de mercado – novamente segundo as teorias – haveria situações de risco que legitimariam um prêmio a quem os assumisse. A postura dos Estados quando da quebradeira provocada pela crise das hipotecas me pareceu uma contraprova convincente à teoria de que vivemos em uma economia de mercado: na realidade o ônus do risco materializado recaiu sobre o homem concreto e não sobre o que se chama Mercado. Remuneramos o Mercado por um risco que não era dele porque, novamente, o tal de Mercado não apareceu para arcar com as consequências. Assim, o Mercado dos livros de economia me parece somente uma formulação teórica abstrata e, pelo menos para mim, inencontrável e o termo Mercado, na forma como é usado, um eufemismo para “os plutocratas”.
Enfim, ou alguém me explica direitinho o que é esse tal de Mercado, me mostra a sua cara e me convence de que é a ele que deva se submeter as políticas econômicas dos Estados (e não aos representados no eixo Y dos dois gráficos do André, esses a quem eu vejo concretamente) ou eu continuarei comemorando a queda do IBOVESPA a cada divulgação das pesquisas eleitorais como um sinal claro de que o Mercado está incomodado e seguirei o voto do relator do artigo. Se eu não consigo encontrá-lo, pelo menos que ele se incomode. Aviso que vai ser difícil, porque o argumento de que há um fracasso na política econômica por conta da dificuldade de crescimento não é suficiente. Vão ter que me explicar quem vai se apropriar dessa riqueza adicional gerada pelo crescimento, os do eixo Y ou o Leviatã sem cara.
André Roncaglia de Carvalho disse:
Caríssimo César, quanta erudição. Nem tenho o que comentar. Aliás, tenho um pedido a fazer: apagar esse comentário e publicá-lo como um texto em nossa sala de visitas. Seu texto é uma aula. Que tal?
Muitíssimo obrigado por destinar seu precioso tempo a comentar sobre alguma provocação que o meu post lhe causou e atesto ser lamentável que você tenha demorado tanto para comentar aqui no nosso espaço.
Queremos mais, muito mais!
Abraços
Cesar M. Guimarães disse:
André, não sei se esse texto isolado faz sentido, porque me refiro o tempo todo ao seu, mas se você quiser postar por lá, fique a vontade.
Abraços
Clarice Carneiro Martins disse:
Meus caros colegas,
Não tenho a erudição do pessoal que aqui escreve, muito menos pretendo clamar que entendo de economia e política. Mas estudo e ensino sobre a importância dos Mercados Financeiros e de Capitais para o crescimento de longo prazo de uma nação, sobre a necessidade que temos dele para financiar nosso grandes projetos de infraestrutura e desenvolvimento de uma indústria de produtos acabados manufaturados (e eletrônicos talvez no futuro), e não apenas esta dependência de agricultura e outras commodities. Sendo assim, deixo aqui a minha humilde opinião de que um governo que não ver a importância da aproximação e principalmente da não-intervenção deixa-nos refém da dinheiro público, do BNDES e outros similares para poder crescer e desenvolver. E além disso, como fica a aposentadoria privada, porque depender do INSS, acredito não ser mais uma opção. De onde vem nossa aposentadoria? A minha vem do tal Ibovespa que está caindo cada vez que se fala de mais um mandato do PT, devido suas intervenções no tal mercado. Simploriamente, talvez individualista, mas isto me preocupa. Como faremos nossa aposentadoria sem o tal mercado tão repudiado. Eu não sei outra forma. Mas, isso é apenas mais um ponto de vista, mais um ponto a refletir.
André Roncaglia de Carvalho disse:
Olá, Clarice, tudo bem? A ideia não é eliminar o mercado financeiro, mas dar-lhe a devida e proporcional representatividade dentro dos negócios públicos, principalmente no que diz respeito à definição dos critérios que regem a política econômica. É sabido como esse mercado exerce pressão sobre a política fiscal e sobre a política monetária por meio da imposição de prêmios de risco que inflam a taxa de juros básica. Por fim, quanto à Bovespa, é apenas um soluço por conta da incerteza em que se envolve o pleito. Na série mais longa, a tendência é de queda. E você sabe melhor do que a gente que aplicações financeiras com vistas ao longo prazo, como as previdênciárias privadas, não podem se deter em oscilações conjunturais.
André Roncaglia
Fernando disse:
Genial César, genial!!!!
José Alves Junior disse:
Prof André,
Acabei de ler os posts do Prof Eric, Prof Fernando e o seu post.
Se eu já estivesse em meu apartamento, mandaria fazer um quadro e colocaria na minha sala, do gráfico: PARTICIPAÇÃO NOS SALÁRIOS NO PIB (%).
Quando meu grupo decidiu fazer um trabalho de um semestre inteiro sobre o PSDB (Eu sendo antipático as idéias do PSDB),em 2010, naquele fantástico trabalho, tal qual os grupos representavam um setor da sociedade brasileira, como foi difícil defender tais idéias do citado partido. Aprendi muito, incentivado por você, e como aprendi. E agora me deparo com esse texto, aprendi mais um pouco.
Todas as eleições presidenciais lembrarei deste trabalho.
Obrigado.
André Roncaglia de Carvalho disse:
Obrigado, José. Eu me lembro de sua expressão desconfortável naquele trabalho que, para mim, também foi muito interessante e construtivo.
Fico feliz que você tenha aprendido a se colocar na situação do outro para melhor compreendê-lo.
Por fim, obrigado pela mensagem tão atenciosa e vamos participar mais para consolidar essa transformação.
Abraços,
André